Como montar um escritório criminalista discreto em casa

Por Casa Protegida

14 de julho de 2025

Trabalhar de casa se tornou parte da rotina de muitos advogados, especialmente após a pandemia. E não estamos falando só de redigir peças ou responder e-mails, mas de audiências online, reuniões com clientes e até atendimentos emergenciais — tudo dentro do ambiente doméstico. Agora, a pergunta é: como manter a privacidade, a postura profissional e a organização num lugar onde, muitas vezes, o cachorro late, o vizinho faz obra e o filho quer atenção?

Esse é o novo desafio da advocacia moderna. O escritório virou mesa da sala, o tribunal virou link do Zoom e a formalidade precisou dividir espaço com a realidade da casa. E isso, claro, exige ajustes. Não dá pra simplesmente “dar um jeito”. Quando o assunto envolve a liberdade de alguém — como no caso de um cliente acusado de estelionato —, cada detalhe na comunicação pode impactar diretamente a percepção do juiz ou do cliente.

Mas calma, não é preciso transformar a casa num bunker jurídico. A ideia é criar pequenas estratégias que garantam o mínimo de privacidade, sigilo e presença profissional. Afinal, o ambiente doméstico pode ser acolhedor — e ainda assim, eficiente. O segredo está em planejar, testar e adaptar o espaço às necessidades da advocacia, e não o contrário.

Ao longo dos próximos tópicos, vamos ver dicas práticas para equilibrar essas duas realidades — casa e trabalho — sem comprometer a imagem do advogado, a segurança da informação e a qualidade do atendimento. Porque sim, é possível manter ética, eficiência e privacidade, mesmo entre o barulho da panela de pressão e a ligação do cliente às 22h.

 

Montar um espaço exclusivo e funcional

A primeira dica pode parecer óbvia, mas nem todo mundo aplica: tenha um espaço só seu para trabalhar. Não precisa ser um cômodo inteiro — uma escrivaninha em um canto reservado já resolve. O importante é que esse ambiente transmita seriedade tanto para quem está do outro lado da tela quanto para quem mora com você. Quando o cliente vê organização, sente confiança. Quando vê bagunça… já sabe, né?

Além disso, esse espaço exclusivo ajuda na concentração. Separar o lugar onde você trabalha do lugar onde descansa é essencial pra manter a cabeça no lugar. Advogado que trabalha da cama vive exausto. E mais: quando você tem filhos ou divide casa com outras pessoas, deixar claro que ali é “zona profissional” evita interrupções inconvenientes — principalmente em audiências online ou reuniões importantes.

A escolha da cadeira, da iluminação e até da parede que aparece no fundo do vídeo fazem diferença. Se possível, invista em uma cadeira ergonômica, um ring light básico e um fundo neutro. Se for preciso esconder a bagunça do quarto, uma estante ou biombo resolve. O que não dá é aparecer em audiência com a TV ligada no fundo e uma criança pulando no sofá enquanto se discute um caso de celular roubado.

 

Controlar ruídos e preservar a confidencialidade

O segundo ponto é o som — e aqui, muita gente erra feio. Não adianta ter uma câmera boa se o áudio está cheio de eco, ruído ou interferência. Invista em um microfone de lapela ou headset com cancelamento de ruído. Eles fazem diferença. E quando for possível, feche portas, janelas e avise a casa: “estou em audiência”. Esse tipo de organização evita situações constrangedoras ou quebra de sigilo.

Confidencialidade é palavra-chave na advocacia criminal. Muitos atendimentos envolvem informações sensíveis, que não podem — de jeito nenhum — ser ouvidas por terceiros. Mesmo dentro de casa, esse cuidado é obrigatório. Já imaginou discutir estratégia com um cliente enquanto o vizinho escuta tudo pelo corredor? Ou pior: alguém da casa ouve e comenta sem querer?

Se a estrutura da casa não permite isolamento acústico, improvise. Há painéis de espuma acústica baratos, cabines portáteis e até aplicativos que reduzem ruídos do ambiente. O importante é que, em nenhum momento, o cliente sinta que está sendo ouvido por mais alguém. Afinal, ninguém quer confiar sua liberdade a um profissional que parece estar improvisando em meio ao caos. E se, por algum motivo, o advogado sumiu justamente por causa da desorganização, o prejuízo é duplo.

 

Estabelecer rotinas e horários de atendimento

Trabalhar de casa não significa estar disponível o tempo todo. Muito pelo contrário: estabelecer horários claros de atendimento ajuda o cliente a entender que existe uma estrutura profissional por trás daquela tela. Ter uma agenda organizada — com horários para reuniões, prazos e até pausas — é uma forma de mostrar comprometimento e evitar a sobrecarga.

Defina seus horários de atendimento e comunique isso desde o primeiro contato. Se puder, tenha uma agenda online (como o Google Agenda ou Calendly) e envie para o cliente escolher o horário disponível. Isso evita mensagens fora de hora, ligações durante o jantar ou aquele clássico “pode falar agora rapidinho?”.

E quando o caso for urgente — como uma audiência de custódia ou um pedido de medidas protetivas —, o cliente já sabe que existe um canal específico para isso. Ter essa separação entre o que é rotina e o que é emergência ajuda a preservar sua saúde mental e a manter um padrão de atendimento mais seguro e eficiente.

 

Proteger arquivos e documentos digitais

Privacidade não se resume a portas fechadas. Também envolve segurança digital. E nesse ponto, trabalhar de casa pode expor o advogado a riscos sérios, especialmente se estiver usando o mesmo computador para tudo — vida pessoal e profissional misturadas. O ideal é ter uma máquina separada só para o trabalho. Mas se isso não for possível, alguns cuidados básicos já ajudam muito.

Crie senhas fortes, utilize autenticação em dois fatores, mantenha backups automáticos e use um bom antivírus. Nunca salve arquivos confidenciais em pastas públicas ou sem criptografia. E evite, ao máximo, compartilhar o mesmo e-mail pessoal com clientes ou o mesmo WhatsApp da família para atender a uma audiência criminal.

Casos delicados, como um Habeas Corpus de urgência, exigem acesso rápido e seguro aos arquivos — e nada pode estar perdido em meio a memes ou fotos de receitas. A organização digital é parte da atuação técnica. Se você não protege os dados do seu cliente, está assumindo um risco jurídico — e ético — desnecessário.

 

Vestimenta e postura diante da câmera

Pode parecer exagero, mas vestir-se de maneira adequada, mesmo em casa, muda completamente a percepção do cliente — e do juiz, caso você esteja em audiência. Não é questão de vaidade. É sinal de respeito. A forma como o advogado se apresenta comunica profissionalismo (ou a falta dele) antes mesmo da primeira palavra.

Claro que não precisa estar de terno completo se estiver sozinho no escritório de casa. Mas evite roupas muito informais, chinelos à mostra ou aquele velho hábito de estar de camisa social e bermuda de pijama. Vai que você precisa levantar no meio da audiência? Já viu o que acontece em vídeos virais por aí, né?

A linguagem corporal também importa. Olhar para a câmera, manter uma postura firme, evitar distrações com o celular. Tudo isso transmite confiança. O cliente precisa sentir que está sendo ouvido com atenção, mesmo que você esteja a quilômetros de distância. E sim, é possível transmitir autoridade mesmo do ambiente doméstico. Só exige um pouco de disciplina e atenção aos detalhes.

 

Evitar distrações e multitarefas durante atendimentos

Por fim, uma regra de ouro: quando estiver em atendimento, esteja 100% presente. Evite abrir e-mails, mexer em planilhas ou responder mensagens no WhatsApp enquanto o cliente fala. Isso pode parecer produtividade — mas é o oposto. Transmite desinteresse e tira a confiança do cliente, que já chega muitas vezes fragilizado, tenso ou com medo de ser mal compreendido.

Se for necessário registrar algo, avise. “Vou anotar isso, só um segundo.” Essa simples frase já mostra que você está atento. E, claro, mantenha as notificações do celular e do computador desativadas durante as conversas. Barulhos de mensagem entrando, pop-ups de redes sociais… tudo isso distrai você e o cliente.

O ambiente doméstico, por natureza, é cheio de estímulos. Por isso, o advogado precisa compensar isso com foco. Cada ligação é uma oportunidade de mostrar preparo. Cada reunião é um termômetro de confiança. E quando o cliente percebe que você está ali por inteiro, mesmo a distância, ele entende que está em boas mãos — mesmo sem estar diante de um escritório físico.

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